quarta-feira, 20 de julho de 2011

Bicho

É um bicho solitário, aprendeu a ser sozinho, dentro de seus tijolos, arames, construções, estradas, ruas, asfaltos, postes, luzes. Sozinho pulando de andaime em andaime. Sozinho, sozinho. Guarda dentro de si tudo que o consome, aos pouquinhos, todas as mordidas, um mostro que devora por dentro e de dentro saí para, vem para fora faminto, faminto, faminto. Um desespero, um bicho desesperado, querendo comer tudo, querendo tudo tudo tudo que seu braços deformados conseguiram pegar, estica estica estica. Pega tudo, segura muito forte, sem nenhum amor, porque o bicho não sabe amar, não sabe. Não sabe a diferença entre deixar em liberdade e abandonar, não sabe a diferença entre colocar no colo, entre braços, pernas e entre prender numa jaulinha e ficar olhando feito outro bichinho para seu semelhante. Sente fome, muita fome, uma fome maior que a vida, fome que o vejam, todos esses bichos tão cegos, ceguinhos. Não conseguem ver nada, nada vêem. São todos machucados, tão machucados, cheio de feridas e arranhões e medos, medos. Como quem apanha e aprende que vai apanhar e se recua no canto. Como quem apanha e fica raivoso, como bicho do mato que vê que vai morrer e sabe que é tudo ou nada. Lei do tudo ou nada. Quer ser escutado, grita grita grita grita, sozinho sem quem lhe escute, sem quem lhe acolha, sem quem lhe diga que está tudo bem e que em breve tudo vai passar. Bicho estranho, estranho, cisma em construir e desconstruir as coisas. Destrói tudo, se destrói, destrói, destrói. É um bicho que nunca chegaram perto, é um bicho que mata todos os outros bichos, mata mata mata, não sabe porque, medo, tem muito medo. Medo de que acabe, medo de se deixar consumir por si mesmo, medo do que cria e do que não criou e não sabe como criar. Nasce, morre e vive sozinho, sozinho e iludido. Com aperto na garganta, como se ela fosse explodir, comprimida seus anéis cartilaginosos por esse sentimento que não se vomita, não se chora, não se grita, que se prende, prende, dança e rebola em cada anel, e não parece que tem mais para onde ir e os olhinhos da criatura não são suficientes, nem a voz, nem o grito, nem seu seu seu. Correr não pode, não corre de si, não se foge de si. E se morre, morre morrendo. Morre por não poder fugir de si, por não caber em si, por não ter encontrado nada, por não encontrar, nunca, ninguém ter encontrado, não sabe onde está, alguém para tocar e ver em reflexo no espelho. Não é nada, não é nada, logo logo logo passa. Logo logo logo tem motivo, tem cama, tem colo, tem comida quente. Tem gente que nada tem. Esses bichos, bichos, bichos. Não entendo os bichos, bichos, bichos. Que é que são que vai e vem e sou e é eu sou tu és ele é nós somos.