domingo, 3 de julho de 2011

Caixa de Pandora

É que nem me lembro mais de quanto tempo é que esse aperto na garganta e os olhos feito duas bacias d'àgua não ficavam mais assim, nem me lembro qual foi a última vez que puxei as cortinas, cobertas, luz, travesseiro tudo para de baixo do meu mundo que não me cabia mais, porque alguém ocupava todas as paredes, os armários, as caixas, a escrivaninha e o maço de cigarro, e a caixa de fósforo e a despensa da cozinha. Nem quando a noite parecia dentro do meu peito, e cada bocejo de sonho que não vinha mesmo com o sono presente, nem quanto tempo fazia que ficava horas pensando no vestido com mais flores que eu tivesse, e que um dia tiraria cada umazinha do meu vestido e colocaria na cama, no chão, no tapete, no caminho, no dia que nasce, no sol do céu.

Todas essas pequenas dores, pequenas belezas de versos e prosas, pequenos desânimos e emoções estavam todas acomodadas, paradinhas, e quando menos percebi chegou você abrindo tudo;malas, caixas; derrubando prateleira; quebrando vasinhos; tirando minhas agulhas, linha e pano, tecendo, tecendo, tencendo; colocando música na vitrola; invadindo o pouco sonho que restava. A reviravolta, do todo dissoluto no universo, meu coração batendo batendo batendo, e você indo sem nunca ter feito parte realmente; jogou tudo no ar e foi embora antes de ordenar a bagunça, antes de sequestrar e pedir todo o amor como fiança. E a lembrança do seu sorriso é o que fica junto com todo o barraco em desordem. Junto com a faca na cozinha. Junto com a cartela que ajuda a levantar. Junto com o café. Junto com as folhas e a caneta.

Mas não te culpo, nem me culpo, nenhum pronome pode ficar antes dessa palavra tão pesada, tão doía. Afinal, tenho culpa de ter te amado muito e você tem culpa de não ter me amado nada?