quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

eu também por mim já escrevi
e são pelos meus ouvidos
que me lembro da sua boca dizendo:
para que nunca parasse
ao que arrematei as sentenças
no corredor dizendo:
"sim"

acontece que nada mais escrevi desde então:
entre maldição e desejo e premonição
parecem residir poucas coisas
das quais nunca nos falamos
apesar de tanto falarmos

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

breve anotação sobre o verão:



memória al mar
gritou mas era tarde.
Impregnada em corpo
concha grava
o barulho
cal cálcio curva
na criança pós-praia:
te lembra do balanço
nas águas,
a memória dos livros
que não te deixam:
a boca do mar  engole
a sereia muda que
me olha fundo e lança:

-qual quem aqui está
a  cravejar desejos
a mover silenciosa
as mãos-mar,
âncora que não
se joga e te faz ficar
ao sopro de poseidôn?

e respondo
com tremores, remorsos
e gozo de menina comportada.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

.

<<à mão>>  
veloz que corre para te escrever, poema, -nessa folha que há rosada e marcada com facilidade-.
E te descer folha, por ritmo e espaço [no papel]
-acho que você me faz poeta e sua doçura me faz escovar os dentes dez vezes ao dia-
Minha fome de poesia Descrita em maiúscula No corpo seu.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

-

o amor, antes,
essa esfinge
às avessas.

decifrando:
                   -agora abre a boca,
                 
                     [é:
mistério mínimo de areia ao mar.

Vê: nenhum segredo sobre
                                o tempo.

os navios que abandonaram o porto
antes de sua chegada
ignorando conscientes o desejo de
partida.

                                   às mitologias do saber,
                                   às alegorias das meninas sérias:

Devorar.

     

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

BR 116 - SP 60

Querida,
tive um sono tranquilo; estávamos naquele restaurante barato que sempre vamos.Sediava uma grande galeria de arte enquanto servia seus almoços ordinários e uma imensa fila se formava para comprar os ingressos e aprecia-la. Até o ultimo momento pensava, ao ver a curta fila apenas para a bancada das refeições, se não valia a pena abandonar as artes e comer, de uma vez por todas, aquele almoço. Por fim, comprei os ingressos e as filas sumiram, não me lembro se C. me acompanhava ou não, creio que talvez estivesse por lá.

Pela entrada haviam duas máquinas de lavar com toalhas de plástico vermelho cobrindo-as. Em cima anotações e restos de borracha, livros e cadernos. Reparei em dois: A teus pés  junto a Oliver Twist, e outro conjunto de A teus pés e algum outro que não me recordo; a cena me encheu de grande desprezo e fui imediatamente falar com B, creio que no meu sonho ainda não estamos brigadas, sobre a incompetência alheia para os estudos. Na nossa conversa cheguei a reflexões finais sobre a imagem e tema de minha pesquisa.

Você tem razão, preciso voltar e ver aqueles dois quartos vazios.




sábado, 13 de outubro de 2012

23º 34' 19" S 46º 42' 3" W

Querida C,


tenho dormido mais que o necessário, pelo puro prazer de ignorar as atribuições durante o feriado e porque a chuva lá fora não me diz respeito durante esses dias. Não tente me convencer do contrário, inclusive, porque não é disso que se trata essa carta.

Sonhei três vezes seguidas o mesmo sonho que aparece em fragmentos e têm configurado uma história completa; começa com o reflexo de uma carta ignorada que me recuso a responder e vou me deitar. Em poucos momentos me preocupa o fato e busco através de um navegador, que desconheço qual seja, as pessoas para poder falar com elas ao vivo. Digito seus nomes e as adiciono já com a mensagem que finalmente resolvo responder da carta: agendo dia, local e hora para nos vermos.
Obviamente acho as pessoas erradas e marco um encontro com completos desconhecidos. Em um barco voador que está parado no mesmo lugar, perto de um trailer. As personagens não poderiam ser mais estranhas. Ah, um detalhe, acerto quem são as mulheres, e erro quem são os homens, havia me esquecido disso, as duas mulheres são as certas, e me causam igual infelicidade ao vê-las, os homens são outros.
Fica vago, mas acredito que outras pessoas foram nesse encontro que marcamos, mas ainda não perceberam que tudo está errado. Os homens, que não deveriam estar alí, que foram convidados errados, sabem que há um equívoco.Eu também sei, mas permanecem e por algum motivo que desconheço gosto do fato de que ficam.
Um deles magro, com certo aspecto sujo parece que me encanta e agrada ligeiramente. Me conta algumas histórias enquanto postergo a abertura do encontro. E isso já dura dois dias, ficamos eu e ele em uma espécia de algum fluxo maluco que ele me conta muitas coisas, eu confio e acredito nele, escuto suas histórias, vejo suas tatuagens e é como se não houvesse problema algum de nada ter começado ainda. As outras pessoas perdem-se em pequenas atribuições, tal qual descobrir o exato lugar que estamos, a programação, ou sequer perceberam também que há um grande problema e que nada acontecerá.

Depois de um tempo começo a me questionar sobre a indolidade (essa palavra existe, C.?) do homem que conversa comigo todos os dias e já começo a refletir se nutro certo amor pelo mesmo. Começo a questionar porque ainda está ali, porque não foi embora ao perceber que eu havia me equivocado nos convites, o que ele ganha postergando que eu crie coragens, saía daquele barco e resolva o mal entendido todo.

Desperto de leve e decido escrever para alguém sobre esse sonho. Espero uma resposta rápida e não quero continuar com isso, já pensou o horror de um desfecho?


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sereia de papel

E que deus que me perdoe e não me permita fazer retrospectivas pois nada me dá mais enjoo do que as memórias que nunca foram guardadas e se insistem que as sereias as cantem.
Mas olhai para esse corpo fragmentado que ainda chora forte na sala de cinema e wide and sea, e que pensa forte como pode ser um e ser tudo e ser completa se não sei onde meu irmãozinho foi parar, se ninguém me fala nem nunca me falou de que um dia saiu e nunca mais nada, voltar para onde também?, me dizem, e me enchem com a sua weltschmerz, mas minha irmãzinha mais a longe não sabe nem o que é isso, não sabe coitada, não sabe sequer porque naquele dia naquela rua decidiram dar cabo de sua pobre vida contida num saco de peles escuro e faminto que dentro de si era uma galáxia e a humanidade toda, e está em mim esse irmãozinho e irmãzinha que no morro da noite não canta mais nada, nem aguarda nada, aguarda no fundo do olho branco o azedume dessa solidão e me diz, me diz que diferença faz essa data esse calendário se há tantos anos e milênios vi meus irmãos e irmãs serem levados, levadas.
E eu não sei bem como que se faz para engolir essas partes da gente, e que me passam, perpassam, como que um mundo todo pode girar ainda desse jeito?, azul azul que me espanta e não mais canta não canta nada. E quisera eu ter a coragem do gás do banheiro, quisera eu ter gás no banheiro ou um apartamento com janela, mas não tenho, não tem. Ah e como é que faço como é que faz e quem responde?
Mas que me permita te dizer que a história está incompleta e esse corpo incompleto e distante de mim de você e que não consegue se traduzir nem dizer o que eu verdadeiramente queria, porque nesses vinteeum anos todos de átomos e moléculas e substâncias em mim se inscreve um sangue que não é só meu, que é aquele também que a mãe pega nas mãos do corpo de seu filho naquele chão de que, meu deus? de que é esse chão que é cama, que é túmulo, e também está no meu sangue aquele sangue que mãe nenhuma, nem amigo, nem pai, nem irmão nunca viu, aquele monte de ossos, calcário, cálcio em qualquer lugar encoberto pelo verdeamarelo das palmeiras e se equivoca tudo porque sinto ainda em mim e no meu corpo todas as coisas que os jornais nunca noticiaram que está contido no grito nunca dado dentro da cela, no grito que por deus, por deus, nunca saiu daquelas paredes, e que caminha nas imensidões dentro de mim e de meus companheiros calados, tão calados, ó deus, e essa primavera me sufoca em mim e nos meus dedos e no universo silencioso dos que vão embora sem nenhuma satisfação!