segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Lugar

Vivo em um lugar cheio de pessoas que sabem mais gritar do que fazer, e gritando acham que fazem muito. Me incluo junto à essas pessoas. Também grito demais.
Quando não estamos gritando todos, nem quando estamos com as mãos tampando os ouvidos dos gritos alheios, estamos batendo os pés. Com isso acreditamos estar marcando posição. Olhamos os pés dos outros batendo e sabemos; crianças. Mas batemos o nosso com força ainda. E só o que nos sobra é um calçado sujo.
Quando nos cansamos dessas duas atividades, nos pomos a pontuar devidos acontecimentos e reflexões respaldados por teóricos, assim sendo, conseguimos julgar nossa realidade, a situação da vida, e sobretudo a dedicação alheia. Nunca o suficiente, ou necessário.
Com isso, subimos um degrau para além do patamar humano, que também não é divino, pois já sepultamos nossas divindades entre as páginas dos livros. Entre todas as fórmulas que nunca decoramos, entre tudo aquilo perdido entre o travesseiro e os olhos.
Sentados, com a barriga saciada, agasalhados, teorizamos tranqüilamente sobre tudo que desejamos. Laçamos olhares tortos a quem não se senta conosco e teoria. Acabado o horário entramos em nossos carros, vamos para nossas casas e dormimos. Com a tranqüilidade de conhecer pr'além do nosso umbigo. Que não assumimos que existe; nenhum de nós possuí umbigo.
E nesse lugar cheio de pessoas não existe espaço para as dúvidas, nem para as fraquezas. Estamos todos sempre muito bem dispostos, e enérgicos, sabendo claramente como vai ser o amanhã. Só não temos disposição para entender a vida alheia.
Só não temos disposição para entender aqueles que se atrasam. O lugar onde eu moro ninguém nunca se atrasa. Nunca se deixa perder pelo trânsito, nunca adoece ou tem o direito de ficar triste.
Não compreendemos aqueles também que por ventura desejem sentar.Não temos tempo para isso, nossa disciplina impõe um marchar seqüenciado e contínuo.
Esse lugar onde moro tem um ar diferente, nossos pulmões também aprendem a ser mais capazes, mais fortes, mais resistentes, pois a cada inspiração engolimos um peso tão maior que nós mesmos que eles precisam aguentar. Nosso estômago, tal qual o pulmão precisa ter resistência; engolimos de tudo. De tudo.
A única fraqueza que existe em todos nós reside no par de olhos que temos no meio do rosto, emoldurados pelas olheiras, esse rosto maltrapilho e marcado por linhas. E são nossos olhos os únicos incapazes de gritar, os únicos impedidos de bater os pés, os únicos impedidos de falar sobre a vida alheia, os únicos impedidos de sentar, e por esse motivo se fecham muitas vezes.

E fechados acordamos, e fechados continuamos, e fechados.