quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

355 ml

Você me disse que ninguém voltaria para lugar algum, me disse isso batendo a garrafa na mesa e batendo a cadeira e me senti como criança mimada ao ver suas costas descobertas, retas. Tive muita vontade de chorar, talvez tenha chorado, mas o gole de vodka -e isso me lembro bem de ter feito- que desceu me estourando até o estômago e me encheu a boca com um gosto azedo de vomito, deve ter me enchido os olhos de lágrimas de qualquer forma. Então, se as entranhas doíam pelo gosto que armazenava na boca da vodka, dos cigarros, ou pela da certeza absoluta de que estávamos sozinhas naquela mesa de uma casa, que eu não sabia como era, e de que sobretudo, hoje não haveria acalme-se, querida, um desvirar de costas  pedindo desculpas pela realidade, não faz diferença. Não faz diferença qual é a dor.

Então ninguém mais voltaria, te disse. E você confirmou; não volta.

Tenho certeza que meus olhos estavam muito vermelhos e marejados, possivelmente amarelos como sempre ficam quando bebo demais e choro demais e vivo demais. Algo com o calor da bebida fazia borbulhar em mim uma raiva de você me dar uma realidade, assim, sem nem embrulhar, sem nada. E por não entender que poetas não vivem de realidade, você, tente entender, ia me castigando com suas verdades claras e objetivas. Talvez por isso tenha dado o último gole e esvaziado o copo e ter te matado ali, naquele momento, quando disse que ninguém nunca esteve ali.

Era eu quem havia criado tudo, inclusive a necessidade de que se existissem outros, para mim, e de que você acreditasse neles. Eu quem tinha posto a mesa, o choro em meus olhos e meu desejo de ser cuidada. Então, agora de pé atrás de suas costas, dei um passo e deixei seu corpo cair, seu corpo alvo, seu cheiro de natureza. Nada de socorro. Nada de nada. Me tirava o sonho alegando ter tirado seu sono, e eu tirava nossos corpos e copos.

Ninguém voltaria a lugar algum. Porque o amor não deixa sobreviventes.