Agora anos mais velha, desde aquele momento em que a levaram arrastada, viu seu antigo campo de flores destruído, e a mulher que segurava sua mão em uma impaciência pela queixa, disse que deveria agradecer de lhe ter sobrado a vida depois de todos os bombardeios seguidos, e perseguições. Sentia que não tinha mais idade para seus vestidos floridos; o Mundo não era mais lugar de vestido florido, por ser uma vala gigante. Os seus ombros não conseguiriam viver com a grande responsabilidade de ter sobrevivido para ver o grande sonho morto.
Sete palmos abaixo da terra, sua identidade, nome, sobrenome, suas flores da mesa de jantar, sua genealogia. A ideologia morta, o sonho morto, o amanhã incrédulo. Avisassem as gerações que viessem: não era mais tempo. Tempo de coisa alguma, nem mesmo da flor clichê, nem mesmo dos velhos bordões de melhores dias virão. Agora os grandes estudiosos falariam sobre a morte da arte, do senso estético, da vitória da coisificação. Tomariam sua cachaça diária, não beijariam sua esposa, nem suas crianças. Um luto da humanidade.
Ressuscitaram Guernica, a fim de conseguirem qualquer muleta que fosse nesses tempos sombrios de desconstrução não planejada. Nesses tempos que se torna muito perigoso respirar, nesses tempos pós-humanidade. Nesse tempo que os aviões passam rasantes pelas belas casas de tijolos e transformam-na em pó, e os que estão lá dentro, os donos dos aviões, desaparecem em escombros que não se tem vontade, nem condições de tirar. Os seus grandes patrocinadores. Os grandes homens da humanidade.
As propriedades continuavam cercadas, via. Poetas falariam da terra encharcada do sangue revolucionário nos anos futuros, quando todos já obtiveram a lição de que não deveriam se levantar, quando não deveria marchar pela terra, quando todos já haviam aprendido o valor do silêncio, o que é que isso fosse. Quando ninguém mais quisesse coisa alguma. Em um rememorar. Uma saudade no peito de quem nunca viu a cova aberta.
Restava a ela, agora, dizer uma vez mais, como já haviam dito antes dela: Minha pátria é minha infância: Por isso vivo no exílio