Não havia um só ser pela terra que não fosse solitário, afirmou, enfim categoricamente.
E eu, que a tinha entre os metros de chita amarela que cobriam minhas pernas, e a garrafa comprada com o que restava do dinheiro no final do mês, discordei meio sem saber porque.
Discordei.
Não, nós não éramos solitárias. Estávamos ali, juntas. Em um universo alto suficiente. Mal acabava de falar essas palavras, me senti muito tola, para não dizer ingênua. E ela, que estava em mim pode perceber e riu de leve, arrematando meu sentimento a perguntar porque eu discordava.
Eu podia ter dito, naquele momento, em que tentando achar algo para dizer sobre nossa não-solidão, peguei a garrafa e me demorei muito no gole, que não me sentia solitária com ela, que não o éramos, e sim éramos bem felizes. Que ela só estava pensando aquelas coisas pelo efeito do álcool, pela hora da noite, pelo dia cansativo e pela vida cansativa.
Mas não era isso que ela queria me ouvir responder, não era isso que ela perguntava. E o que eu poderia responder, para satisfazer a curiosidade daqueles olhos sérios e embriagados, seria duro demais, seria um rompimento na inocência que tentávamos manter uma entre a outra. Não era tempo ainda para se declarar a dor que também se sentia, o que consumia meus olhos no passar das horas pela noite a dentro, e o que me levou a sair por aquela rua, naquela madrugada, a procura de evasão.
Não respondi sua pergunta, e ela seguiu defendendo sua teoria; nascemos sozinhos. Não, não vamos teorizar sobre família: sozinhos. Como qualquer animal, tão só quanto qualquer um deles. Assim como os jovens leões, que eu vi uma vez em um documentário, somos banidos do convívio familiar depois de certa idade; nos mandam para a Universidade, ou algo que o valha. Para aprendermos a ser gente, para crescermos. Para sermos alguém. Mas veja bem, eu e você, aqui, somos alguém não?
Então, somos tristes. Muito. E solitários. Você possuí uma solidão que não consegue me comunicar, dores que não se vê no direito de declarar. E aqui, meu peito rasga também, com o peso de quase duas décadas no ombro, no coração. Nas suas mãos vejo tantas linhas, todas se cruzando, loucas, tão marcadas, na sua face, marcamos que cresceu, está crescida minha menina.
Somos seres só, individuais. Solitários.
Então, somos tristes. Muito. E solitários. Você possuí uma solidão que não consegue me comunicar, dores que não se vê no direito de declarar. E aqui, meu peito rasga também, com o peso de quase duas décadas no ombro, no coração. Nas suas mãos vejo tantas linhas, todas se cruzando, loucas, tão marcadas, na sua face, marcamos que cresceu, está crescida minha menina.
Somos seres só, individuais. Solitários.
Só pude me desculpar por ter terminado de beber a garrafa enquanto ela falava, e ela me beijava dizendo; tudo bem, tudo bem. Diminui sua solidão, criança. E eu via, com meus olhos marejados, os olhos sérios na altura dos meus. O pano de sua saia se confundindo com o da minha.
E eu, segurando sua cintura, só pensava que queria com uma vontade incrível, como a sede de amanhã, poder provar que não éramos nada solitárias. Mas a noite já caia negra entre nós, e me restava murmurar algo sobre pegarmaismoedasparacomprarmaisumagarrafa.
E eu, segurando sua cintura, só pensava que queria com uma vontade incrível, como a sede de amanhã, poder provar que não éramos nada solitárias. Mas a noite já caia negra entre nós, e me restava murmurar algo sobre pegarmaismoedasparacomprarmaisumagarrafa.