terça-feira, 27 de abril de 2010

Manifesto do musgo

Agora olhando as garrafas ao chão e a nicotina entre seus dedos condensava suas ideologias, a sua luta naquele fato; depois de tantos livros, tantos filmes, tantas lutas, tanta cachaça p'ra aguentar o raiar do dia, tanta porrada-nossa-de-cada-dia, seu grito juvenil contra o mundo feito espinho de peixe na goela. Encostada na parede pixada sem ter muita noção do que havia acontecido, nem do que viria a acontecer, impossível não se questionar;tanta panfletagem, tanto grito na rua, tanto hematoma interno, seria, realmente, que o passaporte fosse para outro país, fosse aquelas festas para se chegar na terceira margem seriam a saída? Não, achava que não;mas como evitar a utopia?E, evitando, como ela; mulher, 1,50, escritora, reagiria? Entre um meio amor mal resolvido, uma passeata, um livro na insônia ocupando o lado esquerdo da cama, tanta teoria, tanto descaso, tanta fuga de si e de todo o resto, ela, datilografando no chão entre cerveja derrubada, sua única arma entre o toque de seus dedos e a tinta na folha pensava em como sair daquele labirinto, em como catarolar umavezmais apesar de você amanhã há de ser outro dia, como evitar a hipocrisia, como não se contentar com uma vidinha de mulher classe média intectual, como não lançar o corpo à rua?
Manifesto ao Fim do Mundo. Não, rabiscou o escrito, lançando a folha longe.
Manifesto a Liberdade. Não, rabiscou o escrito.
Manifesto manifesto.
Olhando seu LP rodando na vitrola de um cômodo de madeira velha, lembrando de todos aqueles que usaram o barco para chegar do outro lado da margem, lembrando daqueles que nunca mais veria, lembrando daqueles agora sem nome, lembrando daquele riso zombeteiro que não mais existiria, lembrando de um projeto para salvar o país, lembrando que já tinha tido mais juventude, via, agora, como em uma epifania, que o musgo nascia nesses ambientes, se espalhava e dava em uma sucessão ecológica como lembrava vagamente de ter aprendido no colegial a novas espécies mais completas, e adaptadas.

Carecia então, esperar que o musgo evoluisse sem tentar arrancá-lo.
E era isso.