domingo, 18 de abril de 2010

Ciranda


Nesta rua, nesta rua, tem um bosque
Que se chama, que se chama, Solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração


E agora, andando pela calçada da Avenida gelada, com as faces frias, percebia que seu cheiro, misturando cigarro&vodka, tinha ficado nas minhas mãos e no casaco e eu ria boba, jogado meus ombros pra frente levantados levemente e olhava para meus pés bobos e trêmulos, pensando em como preservar aquele cheiro até a aurora chegar, pois você não seria mais que um sonho bom que a gente teve quer dizer, que eu estava tendo agora andando já passado da hora de toda moça boa estar em casa, pisando feliz e contente, lembrando dos acordes que tinham permeado a noite, meu violão seguro entre a mão esquerda e tinha lembrado da ciranda cantada o anel que tu me destes era de vidro e se quebrou e você me interrompia nessa hora e dizia mais é muito! E depois começamos a pensar como o cravo tinha tido coragem, e juramos nunca fazer isso, seguido do maior pedido da nossa vida, pelo menos da minha e eu dizendo que sim, sim, sim, sim, tendo a certeza de que nunca mais haveria uma noite como aquela, usando e abusando de meus clichês e as estradas que meus pés cruzavam agora, com as faces vermelhas pelo frio eu cantarolava nunca mais romance, nunca mais cinema, nunca mais e ia sentindo seu cheiro juvenil em mim, que já era muito velha, sempre velha, com as três rugas em baixo dos olhos que você havia mencionado e a palma da mão tão marcada, e eu levantava a gola do casaco até o nariz para evitar o frio e era invadida por você, sabia ser sua nesse exato instante, e era por isso que nunca mais cheguei em casa, fiquei vagando na Avenida até que seu cheiro sumisse da minha gola, até que todas a cordas do violão arrebentaram, até que minha meia calça desfiou, até que eu não suportava mais o pé-antes-do-pé e da Menina Bem Madura E Decidida Com Medo De Mostrar Os Ombros, me tornei a Mulher Bem Madura E Cansada Com Um Romance No Braço. Perdi minhas chaves de casa, meus pais, faleceram, a aurora ainda seguia, tudo seguia. E eu ia andando a Avenida.
E agora, andando pela calçada da Avenida, baby, eu só queria te encontrar com chave, lenço limpo, cigarro&vodka me dizendo que me mandava, que mandava ladrilhar.