quinta-feira, 29 de abril de 2010

"... tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essas história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara." (ABREU, Caio Fernando "Os sobreviventes". In: Morangos Mofados)





Não, não, não, de fato convencia-se agora;viver era deveras inevitável, não tinha outra escolha, por mais que a cruz vezououtra pesasse demais no ombro, por mais que blasfemasse dia e noite, por mais que se perguntasse onde podia assinar para nunca mais voltar e ficar entre as peças do tabuleiro, sabia que não havia mais saída, era apenas aquilo mesmo no seu prato, amargando sua boca. E passava dos dias em que era uma menina precocemente amadurecida que não precisa de ninguém aos dias que era apenas uma criança querendo que o telefone tocasse com alguma proposta juvenil para gastar suas horas, passava do não preciso da compania de ninguém ao ciúme de não conseguir ser a preferida de ninguém, da distância a necessidade que a segurassem pelo ombro.
Vez ou outra ligava a vitrola bem alta e berrava junto com a música que as vezes the questions run too deep for such a simple man, e deitava no sofá pensando que aquela dor era derivada do fato de não ter se rendido a um sistema maior, a felicidade capitalista, a aceitar ser uma mulher numa cozinha, que era superior, que tinha todo um potencial criativo, uma alma sensível. Dava forma à dor, mas isso agora não importava.

Restava estar viva e isso, muitas vezes, já era difícil demais.