sábado, 10 de outubro de 2009

A calçada

Olhos grandes, movimentos agitados, lábios mordidos, unhas roídas, um maço de cigarros, bolsa na cintura andando apressadamente na calçada como sobreviver?como apagar as lembranças dos dias que eram e nunca foram e sempre existiram? Seus passos apressados, agilidade apesar de tudo para não deixar que esbarrassem nela, nem que ela esbarrasse em alguém por acidente. Mas que bosta era aquilo, aqueles pensamentos, talvez terapia, talvez fosse uma boa saída acendia um cigarro apressadamente, acabavam de esbarrar nela, pensava em sentar, escrever, mas sobre o que? Podia pensar em algo, claro, sempre podia.
Atravessou a rua para outra calçada, não se nasce mulher, torna-se a frase ecoava em sua cabeça , talvez aquele amor fosse sua prova de fogo para ser mulher. Mulher, ria.
Não sabia o que fazer com aquele relacionamento, com a vida dos 18 anos de idade, com as pessoas fúteis a sua volta, sempre tão felizes enquanto à ela sobrava ser uma velha, sim, velha, cheia das teorias para a vida, para a sociedade, confinada 10 horas em um ambiente claustrofóbico. Não podia chorar, mas o que fazer com as rachaduras, com o aperto no peito, com tantos livros na estante e na mente, com tantas equações a decorar, com toda boêmia clamando no seu interior e várias regras que a prendiam a guardar seu isqueiro novamente e pensar nas doutrinas e diretrizes. Pensava no futuro se teria dinheiro, se sobreviveria aquela ingratidão, ainda que ela não fosse ingrata, de forma alguma. Pensava se ainda confiava no amor, uma crise de meia idade aos 18, claro, era isso que mais precisava.
Precisava escrever, era escritora, apenas isso. Jogava suas peças, movia tudo ao seu gosto, e machucava a si mesma, pois precisava da literatura, da boêmia linda, a dor não é tão glamurosa. A leitura de um livro escolar explicava à ela todos seus problemas, além de lhe garantir 13 pontos; tudo era parte de um processo iniciado na década de 60 na Revolução Cultural durante a Era de Ouro da sociedade contemporânea na qual surge a rebeldia onde o ideal de morrer jovem e ser jovem era a construção do herói, forever young, cool... Pensava nas possibilidades da sociedade; casar, cursar química, trabalhar, ter filhos. À puta que pariu.
Atravessava a calçada mais vazia, queria o lado mais vazio o lado mais difícil, mais complicado, mais doce, mais amargo, mais saboroso, queria era a dor de acordar sem saber, a impaciência em ver casais felizes na fila do cinema, queria gostar dos dramas, da atuação.
Tragava seu cigarro freneticamente, e em frenesi, no seu êxtase literário, se achava: era poeta, era escritora, era jovem, era insegura e precisava que a pegassem pela cintura, que a abraçassem, e que lhe dessem papéis, e um palco bem grande.