domingo, 10 de outubro de 2010

Mas é que as vezes, quando puxava as cortinas da janela, e a luz do poste formava um rasgo no quarto, e os lençóis abraçavam seu corpo, ficava de olhos bem aberto, fixados. Diziam que o amor era ação, era demonstrar, que sem ser assim era um nada. E ela, de olhos bem abertos, sem piscar, sentia dentro de si um amor, uma coisa que tinha um calor de uma vida, uma emoção de um teatro cheio, com famílias inteiras, de mães que levam seus meninos pela mão, a emoção do solista na noite de abertura de um espetáculo.

Mas falavam que esse tipo de amor não vale, o amor todo mundo tinha de ver, e ela que gostava era de deixá-lo caladinho, de ir entregando-o em caixas, que não sabia estender o braço para o objeto amado, nem descrevê-lo com as linhas das belas cartas românticas, ficava de olhos bem abertos olhando para o teto, em uma tentativa de pensar que seu amor existia sim, existia.

E então era, entre essa vesga de luz, entre seus dois olhos bem centrados e entre o coração cardíaco, o rememorar das palavras jogadas soltas, tolas, pelo ar, no meio de sua insônia que pensava, mesmo fraquinho, que amar não era filme de tv, não era cascata de rosa; era aquilo que doía de manso dentro da gente, o que ganhava mais dimensão na batida do pandeiro e rasgava o peito quando os dois olhos, sempre atentos, se davam o direito de dormir também.