quinta-feira, 15 de julho de 2010

Rua Tonelero

Seguiam de mãos dadas, na saída do metrô Cardeal Arcoverde, em meio à um cheiro de maresia que o mar cinza regurgitava na cidade, e a chuva lavava as ruas e mandava tudo para algum oceano longe, longe. Se incomodava ligeiramente pela água que molhava seu tênis, e pensava como ela, de salto, não se irritava, nem pensava em como poderia perder seu belo par de sapatos em meio a lama e o caos que se tornava Rio de Janeiro em chuva, ao caos que tudo ficava quando o céu rasgava sobre as cabeças.
Não dizia nada, contudo, nada a respeito de sapatos e do seu incomodo pelos pés molhados, ou do vento frio. Não era motivo, caso.
Seguiriam andando até o Hotel Atlântico Copacabana, e tinha certeza que no misto de timidez e de opinião, comentaria o quão decadente sempre tinha achado, desde criança, esses nomes de hotéis beira-mar, todos com nomes de mares, oceanos, ou similares, caso fosse dela, colocaria outro. E sabia que no mesmo momento ela iria rir bem próxima ao seu rosto, e ela ficaria ainda mais sem graça, já que não possuia a mesma classe molhada e suja de barro.

-Está quieta. Brava?
-Não, estava em um momento Ulisses mesmo.
-Você não existe mesmo, continua a mesma.

Queria perguntar se ainda faltava muito, mas tinha medo de ser indelicada, queria perguntar sobretudo se não podiam ir de taxi. Ia observando as placas de ruas quando deparou-se com uma escrito R. Toneleros. Estavam andando, então, na rua que Ana Cristina César morou por tanto tempo, com seus pais, e onde, sem qualquer pudor, havia se jogado da janela. Queria saber de qual daquelas janelas molhadas teria saído o corpo da poeta.
-Olha só, estamos na R. Toneleros. Disse, enfim.
-Sim, a mesma do atentado do Carlos Lacerda, não é?

(Não, não é.)