É que não era nem questão de coragem, nem de covardia, era questão apenas de sê-lo, e isso muitas vezes não era nada, pensava agora com os olhos doloridos das noites em claro, dos livros em cima da escrivaninha, do café de manhã como salvação, ou do cantar baixo é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar.
Era tentando achar as chaves da casa, na bolsa tiracolo, torcendo para que seu preconceito não fizesse o coração acelerar naquela ladeira escura da Paulicéia Desvairada, que refletia todas as coisas que era agora, naquele instante. Lembrava da garrafa pela metade de mais de uma semana atrás, lembrava que estava no coração pulsante, e na palheta de cores, lembrava que deveria ir ao banco, comprar leite e leite sempre a lembrava Drummond, e lembrava, finalmente, do trabalho de literatura.
Depois de conseguir abrir as três trancas, e entrar no quarto de nº 02, jogar todas as coisas, e seu relicário pessoal, colocar música alta, ignorar vizinhos, criticar a si mesma pelo consumismo, sentava e dizia; é meu então, afinal.
Tem coisas que nunca morrem, nunca findam, adormecem loucamente, são enterradas sete palmos abaixo da terra e depois, zumbis, voltam, mas lindas, lindas, tão lindas.