Não, assim não vai dar pensou atravessando a avenida, afinal de contas há uma existência latejante aqui dentro, inegável, sem uso de ponto final, vírgula, travessão. Não, se fazer de Drummond também não resolve meu deus, meu deus por quê me abandonaste se sabia que eu era fraco se sabia que eu não era deus, não era um abandono para uso de tal. Deveria fumar menos, dizia, e ao tentar escolher um filme na locadora, contando todas as suas moedinhas, começou a discutir toda a vida que tinha tido muito boa, claro, aquelas tardes na praça, filmes no sofá, descanso no seu colo, acabou. Esse filme não serviria, claro, mas se irritava tanto, tanto, um pouco de decência, um pouco de moral, um pouco de respeito pelo sentimento alheio, um pouco de cautela com o coração exposto, chorando, sangrando, rasgado no peito de tanto levar flechada do seu olhar, meu peito até parece sabe o quê? tauba de tiro ao alvo...Quem cantava mesmo essa música? Tinha escutado ela pela primeira vez com um amigo da sua mãe cantarolando em um daqueles churrascos da sua infância enquanto ver as libélulas voando rasante no lago rendiam horas e horas de entretenimento e assunto na volta para casa, agora não mais, agora seria necessário uma bomba atômica destroçando tudo para entretê-la, comovê-la, olhava o seu redor e pronto, fim. As fatalidades, o congestionamento, a criança no parque iam e vinham e ela ali, olhando para dentro tentando achar a ferida, indiagnosticável, e tentar curá-la, pensava com certa dor a inexistencia de mais palavras, quem sabe se tivessem mais houvesse forma de narrar a situação, complexo de Guimarães Rosa, talvez, talvez.
Tanta poesia, tanta literatura, tanto sonho no travesseiro tinha dado em que no final?
Um gigante nó na garganta, sufocando louco a noitinha, quando não tem mais guarda.
