terça-feira, 17 de novembro de 2009

Mas o que era o amor?

Marisa saia de casa todos os dias pontualmente, comprava um chocolate na padaria todos os dias pontualmente para dar de presente a mesma pessoa todos os dias pontualmente, ainda que vezes ou outra no final do mês, pontualmente, tivesse pouco dinheiro, e ficasse com fome o dia todo e apenas almoçasse para poder comprar aquilo, e não importava se subia o preço; tirava dinheiro da sua comida, da sua compra, da sua roupa, da sua louça, dos seus livros e comprava o mimo diário, só para ver os olhos brilhando felizes, um breve obrigada, meio beijo e uma despedida.E toda fome, todo vazio, toda falta de livros na estante, toda louça velha no armário, toda roupa velha e suja, toda a despensa vazia, toda a fome acabavam nesse ato repetido.
E depois da cena podia andar, sorrir e sentia-se mais leve, ainda que soubesse do peso da sua vida. Dos problemas e dificuldades pontuais, e ainda que burlasse sua própria pontualidade, ainda que burlasse a pontualidade alheia, era uma pessoa pontual e tinha prazer em fazer assim, dessa forma.Todos os dias acordava, abria os olhos e era nela que pensava, em fazer algo incrível e inacreditável e deixar que fosse a hora da estrela aquele momento.
Diziam-lhe que era desperdício de tempo, de dinheiro, que a outra não ligava, não fazia diferença aquele produto pequeno mesmo, e que as vezes nem gostava, que não tinha filho daquele tamanho, mas o amor para ela era aquilo; era engolir as palavras, era nunca saber o que fazer, era se exmerar para fazer todas suas cenas, era controlar as crises, já que a outra não suportava, era abdicar da sua arte, era aquilo.Era.
E ela amava, e como amava, amava muito.