Eu podia escrever das coisas que você me furtou, mas não foi furto, você não me roubou nada; te deixei seguir em frente com minhas coisas esperando que voltasse. Há aquelas coisas, sim, que você furtou: aquele livro em que lê-mos juntas em um dia qualquer, aquele CD que eu não ouvia a muito tempo, meus botons preferidos, minha máquina de escrever e o orginal de vários livros meus, que não tenho cópia. Esses enumeram seus furtos, mas há algo que apenas foi levado e que fiquei sem; minha escrita. Te dei toda a poesia que eu podia ter, e que, sinceramente, era meu melhor. Você levou-a, disse que voltava e nunca mais veio, como nunca mais te deixei entrar, logo considero que eu quem te entregou a poesia.
Não errei na concordância e usei o plural aonde deveria haver um singular; não. Você me levou a poesia, que engloba todas as minhas coisas, e sabia disso. A forma em que me sento, os meus olhos meio arregala-dos, os cabelos mafaldinha, a forma de segurar a lombada do livro, em tudo há um traço tão poético que agora me vejo sem qualquer coisa, sem qualquer marca minha, qualquer um faz as coisas da forma que faço.
Achei que não sentiria nem falta de você, nem da poesia, afinal eu tenho é que estudar meus livros e fórmulas e ir à faculdade. Mas não, havia também uma poesia gauche que me impedia de decorá-las e agora não mais, e quero, novamente, essa possibilidade; de ser gauche poética e de me vestir poéticamente.
Isso é uma carta de volta, quero que volte.
Não ouse mandar por correio as coisas que me levou, ou apenas me entregá-las; deve, novamente, me vestir de cada uma delas, e depois me despir, e me segurar quando eu estiver desprevinida. Deve deixar o celular ligado para me escutar chorar baixinho de madrugada do outro lado da linha, de levantar minha franja e me dizer qualquer coisa que não é verdade, nem mentira.
Essa madrugada chorei, e essa manhã também. Eu tinha nas mãos um dos melhores livros que li o ano todo, e não havia para quem ler, para quem deixar ser em êxtase por uma frase e parágrafo, nem uma cintura de apoio para meu livro. Minha boca permanece seca durante todo o dia, e eu leio no silêncio. Esse livro é realmente bom e gostaria de ler para você.
Venha que te leio, te compro flores e leio. Amar é abdicar da dignidade, é decidir dar o primerio passo na incerteza de que vai ser recíproco. E de aceitar que sejam corrigidas meus erros bruscos sobre o papel e de se fazer rascunho do corpo. Eu não tenho mais dignidade. Eu tenho é vontade de te ter por perto e me dizer que a melancolia cai bem.
Eu podia dizer das coisas que te furtei, mas não, sei que você me deu de bom grado o que possuo e carrego na pesada bolsa a tiracolo; você me deu todas essas coisas porque me amava e ainda me ama que eu sei. E eu não pretendo devolvê-las.
Quero que tente me tirá-las da mão a força, com violência; aquele livro, aquela caneta que já acabou a tinta agora, aquela sua blusa, seu par de meias.
Me deu na expectativa de que eu pudesse ficar ao seu lado com os s e chiados, eu não pude. Não pude dividir um espaço já ocupado dentro de mim, insubstituível e indivisível, eu criei um espaço novo para você, somente para você.
Estou te esperando, no horário de sempre, no local de sempre, com a blusa de sempre, com o sorriso de sempre.
Volta 'pra mim.
