sábado, 19 de setembro de 2009

Por de baixo da porta


Aquela fresta da porta fechada deixava passar todos os segredos de dentro para fora, e de fora para dentro. A pouca luz que entrava se dispersando entretinha a menina no seu colchão no chão com os olhos fixos, grandes e abertos. Pensava na frase do livro "O sofrimento é inevitável, a dor é opcional". Conhecia a dor profunda da solidão, os silêncios mudos dos cadernos e a marca triste da tinta de caneta, e agora era isso de novo? Pensava, novamente, em largar essas merdas todas, esses problemas que não eram seus, o peso da sua alma. Não queria sofrer. A pequena frestinha, horizontal, lançava uma luz laranja.
Pensava no amor, nos momentos bons, em tudo que poderia ainda acontecer, surgir por ventura, os planos, as declarações. Não era culpa aquele nó na garganta, estava sendo injusta, jogava-a a culpa sendo sem motivo de ninguém. Rio de si mesma falando, mais uma vez, agridoce.Era fácil converter dor em poesia e tinha uma ligeira sensação de que era apenas por isso que segurava todas aquelas rachaduras: por sua poesia.
Linda a dor não é tão glamurosa, você lembra quando me disse isso? Quando tivemos a certeza de viver bem, de sermos felizes. Hoje você me põe esse amargo na boca, e já não mais somos balsamos. Peso nas suas costas, pesas na minha e assim vamos, tão unidos, dependentes e sofredores. A poesia de nossas vidas, por isso estamos aqui ainda, mas um dia, você sabe, eu viro a mesa, acabo o jogo, faço as malas, bato a porta e nunca mais vai me ver os olhos marejar ao me deixar assim, tão louca.