Agora ela chora fraquinho no meu travesseiro todos os dias a noite, pra ver se não me acorda, e eu finjo que ela consegue isso, mesmo desperta um pouco mais longe do que antes da asa dela. Ela pisa fraco pela casa quando levanta de madrugada e não acende nenhuma luz, só fez estardalhaço um único dia, a danada; tropeçou no meu coração e acordou a casa toda. E tive de olhá-la fundo nos olhos, levar para a cama de novo, e dizer acalma, amor, logo o sono vem, e ela se pintava inteira, ela me vinha em caixas, e todos os dias eram sem fins de caixas que me chegavam pelos correios e esse me dar aos poucos me matava, um dia ficou completa e agora está no meu travesseiro, chorando de fraquinho.
Tem dias que abro as janelas digo vem ver o sol e ela se contrai toda, mas acaba vindo e fica lá, resignada, frágil, pálida, tão doente, tão doente. Como fui deixar que acontecesse isso a ela?Se ao menos ela me condenasse com seus olhos claros, mas não, ela continua com aquelas duas órbitas sempre me pedindo alguma coisa que não sei o que é, também nem ela sabe, comprei uma fantasia, uma vez, para o carnaval, e ela ao começar a se despir parou de chorar, parecia outra, pegou minha mão e naquele momento estava tão forte, mas na quarta-feira de cinzas era a mesma, pequena, de unhas frágeis, gemendo ao som da vitrola, só chorou forte no dia que a agulha da vitrola quebrou, e enquanto não achei outra e ela cantarolou minha carne é de carnaval não sossegou o coração; só chorava fraquinho no meu travesseiro.
Um dia deixou de chorar, e esse foi o dia que chorei muito, porque ninguém mais ia escutar aquele chorinho, talvez somente muito, muito distante, na terra das macieiras alguém escutasse ela chorando de mansinho, e essa terra da garoa, é a terra dela.
Hoje sou eu quem choro fraquinho.
